Letras e textos do Book do CD - UM SOL MAIOR

As cantigas ou modas(1) tradicionais, têm em Portugal uma variedade de estilos muito grande. É nossa intenção falarmos particularmente do Minho, província com um vastíssimo e formoso cancioneiro, acção assaz dificil, dado as fronteiras musicais não serem iguais às geográficas, estas delineadas em pleno século XIX.

O povo minhoto, foi ao longo dos tempos, nos grandes serões de Inverno, ouvindo os velhos romances tradicionais e as modas com que alegrava o trabalho, festejava as suas alegrias ou orava ao Senhor, à Virgem ou aos Santos da sua devoção.

Como se vê pelo atrás exposto, as modas minhotas dividem-se em cantos dos velhos romances, a uma ou duas vozes; os cantos coreográficos, uns só com vozes, como são as danças de roda, outros acompanhados com instrumentos, tomando assim o nome de rondas (2); as modas de romaria, que eram cantadas em ranchos na ida e na vinda das festas e também durante os trabalhos agrícolas; e as modas de terno, cantos arcaicos belíssimos, cantados a quatro e por vezes cinco vozes. O Minho tem a riqueza dessa tradição. Muita coisa se foi entretanto perdendo. A evolução dos tempos, tornou-o inevitável, no entanto, cabe-nos a nós, estudiosos voluntários da música tradicional, preservá-la e dá-la a conhecer a todos quantos a queiram ouvir, já que só ouvindo-a se pode aprender a gostar dela e gostando-se, gosta-se das nossas raízes.

Não sendo puristas, achamos que é preciso inovar na tradição, as cantigas que ora apresentamos pretendem tão somente a uns relembrar algo de que já se tinham esquecido, a outros mostrar como é bela a música tradicional portuguesa, que é afinal o motivo que nos levou vai para 30 anos a formar o grupo.

Para além da música tradicional, quisemos também incluir alguns temas compostos por nós, dentro dos estilos da musica tradicional minhota, que esperamos venham também eles, daqui por alguns anos a fazer parte dessa mesma musica tradicional.

Uma palavra de especial carinho para com o poeta João Augusto Lopes Bastos, de cuja obra que conhecemos incluímos 4 poemas, de um livro que nos chegou às mãos nem sabemos bem como. A sua poesia simples mas cheia de musicalidade, levou-nos a incluí-lo com muito gosto neste trabalho, esperando com esta atitude dá-lo a conhecer a um número maior possível de pessoas.

Um grande bem haja, a todos quantos participaram na elaboração, gravação e grafismo deste CD.

(1) Moda: canção em coro.
(2) Ronda: Orquestra popular composta por violão; viola braguesa, rabeca ramaldeira (hoje substituída, muitas vezes, pelo bandolim), bombo, ferrinhos, etc.



CANTIGA DA SEGADA
Letra e música: tradicional
Arranjos: daniel pereira

Moda de trabalho, usada na ceifa do centeio e do milho, bem como outras actividades agrícolas, aqui apresentada com instrumentos tradicionais, inovando, mas mantendo intacta toda a estrutura melódica original.

Trago dentro do meu peito
Dois moinhos a moer.
Um anda outro desanda
Assim é o bem querer.

Trago dentro do meu peito
Um alambique de aguardente.
P’ra destilar a saudade
Do amor que ‘stá ausente.


CLARALINDA
Letra e música: tradicional
Arranjos: daniel pereira

Romance tradicional, cantado como moda de roda, ao serão, enquanto se ia fiando o linho.

Claralinda, Claralinda,
Claralinda como o sol
Deixa-me dormir contigo
Às barras do teu lençol.

Às barras do meu lençol,
Hoje sim, amanhã não,
Meu marido, não ‘stá cá,
Está p’rás festas da Ascensão.

Está p’rás festas da Ascensão
Ó que linda romaria
Claralinda abre-me a porta
Que eu venho no mesmo dia.


PORQUE ADORO VER-TE NUA
Letra e música: casimiro pereira

Canto brejeiro, onde a mulher e o amor são o centro de tudo.

Porque adoro ver-te nua,
E nos meus braços sentir-te;
Ao dizeres sou toda tua,
Meu desejo é possuir-te.

Não importa a cor que vestes,
Verde, branca, azul ou crua;
Gosto mais quando te despes,
Porque adoro ver-te nua.

Afagar os teus cabelos,
Olhar para ti, sorrir-te;
Beijar teus lábios tão belos;
E nos meus braços sentir-te.

Suspirei, mudei de cor,
Senti que estava na lua;
Fiquei feliz meu amor,
Ao dizeres sou toda tua.

Amar-te é um facto real,
Jamais pensei em mentir-te;
Bonequinha sensual,
Meu desejo é possuir-te.


BIRA EM S. MAMEDE
Letra e música: daniel pereira

O Vira é por excelência a moda mais representativa da província portuguesa que mais modas produziu neste país, o Minho. Dança-se nas festas, feiras e romarias, onde espontaneamente se formam ranchoS, essencialmente nos bailaricos pós desfolhadas do milho, já quase fora de uso.

Ai bira que bira, ai bira birou
O bira em S. Mamede
Ai bira que bira e torna a birar
Este bira a cantar.

Este bira a cantar, bira birou
Lá cima até ao Chamor.
E ao fim da tarde, torna a birar,
P´rá Nascente a dançar.

P´rá Nascente a dançar.
bira birou, Nascente do rio Este
Um novo arraial e torna a birar
Até o corpo cansar.

‘Té o corpo cansar, bira birou
Vamos para S. Simão
E em frente à capela, ai bira parou
C´um golo de vinho e pão.


DELAIDINHA
Letra e música: tradicional

Das duas versões recolhidas desta moda, optamos por incluir neste trabalho a de modo (tom) maior, opção que nos pareceu mais enquadrável nesta trabalho. Moda inicialmente de roda, cantada durante o trabalho, no campo ou na eira.

Ó Delaide, ó Delaidinha
A tua mãe está a chamar.
Eu bem sei o que ela quer
Não me deixa namorar.

Não me deixa namorar
Ela também namorou
Agora já se não lembrais
Do tempo que já passou

Do tempo que já passou
Do tempo que já lá vai
Agora já se não lembrais
Quando falava a meu pai

Quando falava a meu pai
Na margem da ribeirinha
Agora já se não lembrais
Quando era solteirinha

Quando era solteirinha
Muito antes de casar
Ó Delaide, ó Delaidinha
Ela está sempre a chamar.


QUERO CANTAR-TE.
Letra e música: casimiro pereira

A exortação da beleza feminina, aqui bem vincada, numa afirmação de amor bem relevante.

São tão sedosos
Os teus cabelos
E os teus olhos
Como são belos.

As tuas faces
Ó que beleza
Que são bonitas
Tenho a certeza.

Quero cantar, cantar,
O grande amor, da minha vida
Porque só tu, só tu,
É que serás a minha querida.

A tua boca
Cheia de encanto
Querer beijá-la
O desejo tanto.

Todo o teu corpo
É formosura
Quando te abraço
Ó que loucura.

Quero cantar, cantar,
O grande amor, da minha vida
Porque só tu, só tu,
É que serás a minha querida.


NO LAGAR (instrumental)
Música: daniel pereira

Pisar as uvas, é ainda um ritual frequentemente usado no final das vindimas. Trabalho extremamente cansativo mas alegre e divertido do mundo rural. É preciso manter a cadência certa à voz do mandador.


FLOR DO TOJO
Letra: joão augusto lopes bastos
Música: casimiro pereira

Da mais plebeia das plantas dos montes, que por sinal dá flores muito belas, se faz poesia simples mas afectiva, que ela própria convida a musicar.

Ai, flor marela do tojo,
Renda de bilros da serra,
Andas baixinha de rojo
Tão pequena, terra-a-terra.

Amarelo é cor de nojo,
Como o preto é cor funesta,
Andas baixinha, de rojo
E ninguém te leva à festa.

A terra tem no seu bojo,
A raiz que lhe dá vida,
Ai, flor marela do tojo,
Pobre heroína caída.

No fundo negro do fojo
És fofo leito do mato,
Andas baixinha de rojo,
E todos te dão mau trato.

Mas às vezes tens o arrojo
De picar com teus espinhos...
Ai flor marela do tojo
No mundo há feios caminhos!

Ai, flor marela do tojo,
Boa estrela da manhã,
Andas baixinha, de rojo
Eu bem sei que és minha irmã.


CHULA BELHA
Letra e música: tradicional

Moda tradicional, a chula é um estilo musical que não se ouve só no Minho. É também ela, por excelência, uma moda de romaria.

Se és galo arriba na crista
Se és frango larga a penuge
Se bens p’ra cantar comigo
Ata os sapatos e fuge.

Sei um saco de cantigas
Inda mais um guardanapo
S’isto bai com desafios
Eu bou e desato o saco

Esta moda bem dançada
Bailadinha como é
Faz desengonçar as belhas
Ao canto da chaminé

Ó chula ó belha chula
No Domingo bou-te esp’rar
Quer de noite quer de dia
A chula há-de se dançar


OBRA D’ARTE
Letra e música: casimiro pereira

A mulher, é sem dúvida, uma autentica obra de arte. Como povo crente que é, o minhoto sabe que Deus criou primeiro o homem e só depois a mulher. É que um grande artista primeiro faz o esboço e só depois a obra-prima.

Teu sorriso é encantador,
Os teus olhos são ternura;
Nos teus lábios bebo amor,
O teu corpo é uma escultura.

Comecei por te pedir,
Um sorriso meu amor;
Adoro ver-te sorrir
Teu sorriso é encantador.

Meigos puros e brilhantes,
Misto de amor e candura;
Verdadeiros diamantes;
Os teus olhos são ternura.

Ao entrares na minha vida,
Ela ficou com mais cor;
Quando te beijo querida,
Nos teus lábios bebo amor.

O teu andar sedutor,
Realça a tua figura;
És bela sim, meu amor,
O teu corpo é uma escultura


CONTRADANÇA (instrumental)
Música: tradicional

Dança popular cujas origens remontam ao século XVIII. Importada de Inglaterra, criou raízes nas beiras, fazendo parte intrínseca da música tradicional.



OS TEUS OLHOS
Letra e música: daniel pereira

Os velhos ditos portugueses muitas vezes nos chamam a atenção para o facto de que se estivermos atentos, os olhos poderão dizer muito mais que mil palavras.

Não t’esqueças que os teus olhos
São espelhos da tua alma
Por isso não te esqueças
De me olhares com calma

Eu sonho contigo
sempre que vejo
uma estrela...
Quando olho o céu
penso assim:
- como és bela

Naquela romaria
no outro dia
estavas tão gira,
que só me apetecia
ir ter contigo
e dançar o bira.

Sei que gostas de mim
e eu de ti,
somos assim...
Quero-te namorar,
quem sabe um dia
talvez casar!


QUEM ESPERA.
Letra: joão augusto lopes bastos
Música: casimiro pereira

Utilizando um velho rifão bem popular, aqui o poeta, mostra-nos o linguajar simples da poesia, agradabilíssima, versando o trabalho mas também e essencialmente o amor.

Vais com pressa, toda afoita,
Que nem olhas para mim.
O bem-me-quer não se acoita,
Numa torre de marfim.

De vagar se vai ao longe
Lá diz o velho rifão
Anda a passo o velho monge.
E lá vai onde outros vão.

Devagar que eu tenho pressa,
Outro rifão assim diz,
Há quem não perca a cabeça
Muitas vezes por um triz!

E há quem perca a sua alma
por andar sempre a correr.
Não há nada como a calma,
P’ra chegar-se onde se quer.

Olha o jerico troteiro,
Sempre atrás da moleirinha.
A dar tempo que o moleiro,
Leve ao moinho a farinha.

Devagar não é parado,
- Porque corres meu amor?
Um beijo, bem demorado,
tem sempre melhor sabor.

Espera por mim meu bem,
Não vás assim de fugida.
Nove meses, tua mãe,
esperou por ti querida.


CEGUEIRA
Letra: joão augusto lopes bastos
Música: casimiro pereira

Muitas vezes se diz que quando se está verdadeiramente apaixonado se é completamente cego. A razão para essa afirmação está contida nos versos desta cantiga.

Cegueira que não quer ver,
O que as almas têm no fundo
É como o sol a nascer
Num nevoeiro profundo.

Sei que vês de olhos fechados,
O que vai dentro de mim,
É que os meus olhos coitados,
Só sabem dizer que sim.

Com os teus lábios selei,
Contratos de coração
E ainda hoje não sei,
Porque sim e porque não.

O teu coração não finge,
Não me engana o teu olhar.
Tu és p’ra mim uma esfinge
Que tento, em vão, decifrar.

Uma verdade é mais dura,
Do que a mais dura mentira.
A ilusão dá-me a ventura
Que uma verdade me tira.

As verdades são escolhos,
Das mentiras que tu negas
E por mais que eu abra os olhos,
Continuo a andar às cegas...


SAUDADE (instrumental)
Música: casimiro pereira

Saudade, nostalgia... Haverá em Portugal quem não tenha experimentado este sentimento tão português?


ENAMOREI-ME DE TI
Letra e música: casimiro pereira

O amor sempre presente. Tudo na vida deveria ser feito com e por amor.

Enamorei-me de ti
E a razão aparente
Foi que também descobri
Que te não era indiferente.

Toda a tua simpatia
Me atraiu desde logo
Hás - de ser minha um dia
Meu amor por ti é fogo.

E não vou contar a ninguém
Que tu beijas muito bem

A par da tua beleza
Há um coração de ouro
Não quero maior riqueza
Para mim és um tesouro.

Tens um ar primaveril
Que eu adoro, meu amor
És uma rosa de Abril
Não há mais bela flor.

São teus olhos de veludo
Castanhos, que linda cor
Não falam mas dizem tudo
Também tu me tens amor.

Em todos os sonhos meus
‘Stás comigo lado a lado
Como é belo meu Deus
Viver tão apaixonado


ASSIM FAZEMOS NO MINHO
Letra e música: daniel pereira

No Minho, aproveitavam-se os serões para se contarem histórias e velhas lendas de encantar e para se saborear o fumeiro e o bom vinho verde, tal como conta a cantiga.

Se está chuva e faz frio
Fica em casa na lareira
Bebe um bom copo de vinho
Come um chouriço à maneira

Assim fazemos no Minho
Com um bom copo de vinho
Mais um canto ao desafio
A alegria espanta o frio

Não t’esqueças de teres perto
Todos os teus companheiros
E no sonho e n’alegria
Sereis todos marinheiros


ÁGUA SAGRADA
Letra e música: daniel pereira

A água é sagrada porque a água é a própria vida.

A água sagrada
Que nasce nos montes
Rasga toda a terra
E brota das fontes

A água sagrada
Símbolo também
De toda pureza
Que o mundo tem

A água sagrada
Logo p’la manhã
É espelho brilhante
Quando o sol lhe dá